terça-feira, 18 de novembro de 2008

Palavras de poeta

Poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
ratos

Alexandre O'Neil

É por isto que não deposito grande fé numa greve, ou em duas, ou em três... Vamos a ver.

E agora?

Na sequência de duas grandes manifestações de professores, o que vamos fazer? O ME, na pessoa da Ministra da Educação, diz que não recua na «guerra» - palavras da ME – com os professores. Se é guerra, vamos a isso.
Este ECD, NÃO! Queremos um estatuto de carreira, não queremos um estututo penal. Queremos um estatuto negociado e não imposto. Queremos ser chamados a colaborar, não nos basta tomar conhecimento do que o ME entendeu, desta vez, decidir por nós. Passamos mais de metade das nossas vidas a trabalhar, devemos ter alguma coisa a decidir sobre a forma como esse trabalho vai ser regulamentado. Somos pessoas, que diabo!
Atrevo-me a sugerir que a redução de horário lectivo associada à idade, que deve ser mantida, seja convertida em horas para orientação e apoio, mesmo em sala de aula, aos colegas mais jovens e às turmas e alunos com mais dificuldade, por exemplo.
Substituição e permuta nos casos em que a falta pode ser prevista e as actividades de substituição planeadas. Deixe-se também algum espaço para os alunos terem e gerirem algum tempo livre, quando, por motivos imprevistos, falta um professor. As escolas têm biblioteca, ginásio, campos de jogos. E as que os não têm... é um bom investimento construi-los e apetrechá-los. Basta que seja regra o não poder andar pelos corredores e que haja quem possa zelar pelo cumprimento dessa regra. Pessoal auxiliar de acção educativa. Pessoal e não burros de carga. Saberá o público que os seus filhos não estão em segurança nos recreios, porque é impossível destacar pessoal para os vigiar? Que às vezes a falta de pessoal é tanta que não se pode controlar quem entra e sai? Que uma só auxiliar chega a ter que limpar doze salas de aula numa hora? Que pode acontecer que 500 alunos e 100 professores tenham que ser atendidos nos 15 minutos de intervalo, no bar da e scola, por 3 auxiliares?
Esta avaliação, NÃO! Calculo que a ME virá propor uma versão «simplex» para depois os miguéis sousa tavares deste mundo virem dizer que os madraços dos professores só querem passagens administrativas e simplexes. Mas esta avaliação, NÃO, nem em simplex nem em compliquex. Queremos uma avaliação séria. Que nos ajude a melhorar a nossa prática. Nenhum de nós tem a pretensão de ser perfeito. Queremos um sistema de avaliação da docência construído com a nossa colaboração – afinal, quem está na escola todos os dias somos nós. E queremos um sistema de avaliação da prática docente, não um sistema de penalização da prática docente. Se é preciso poupar dinheiro durante uns anos, nós entendemos. Mas, numa carreira horizontal como é a da docência, dizer que só 1/3 pode chegar ao topo é como dizer a uma turma de 1º ano que só 1/3 poderá chegar ao 12º ano. Somos uma classe profissional altamente qualificada: licenciatura (muitos ainda mestrado e doutoramento) e estágio de dois anos. Dizer que 2/3 de nós nunca passarão da mediocridade é assumir que as gerações futuras estão a ser educadas por um bando de medíocres. Qual é o Ministério da Educação que quer assumir isto?
Leve-se a cabo uma verdadeira reforma do ensino em Portugal, sim senhor. Consultem-nos. Nós colaboramos. Sugiro que as inutilidades folclóricas que dão pelo pomposo nome de Áreas Curriculares Não Disciplinares voltem à mente retorcida que as engendrou e de onde nunca deveriam ter saído. Inglês no 1º ciclo? Força! Mas para aprender mesmo Inglês. Duas sessões de 45 minutos por semana, com formadores de qualificação duvidosa, enquanto há centenas de professores de Inglês por colocar, é a brincar, não é?
Estatuto do aluno a sério, por favor. Ninguem chumba no ensino obrigatório? Força! Mas então queremos nas escolas os meios legais e humanos para levar cada um dos nossos alunos a dar o seu melhor. E assuma-se, de uma vez por todas, que se todos merecem ter oportunidades e meios ao seu dispor para atingirem máximo do seu potencial, nem todos têm o mesmo potencial. Peça-se a cada aluno o seu melhor e nada menos do que isso, mas também nada mais! Assuma-se que poderá haver pessoas cujo caminho, após a escolaridade obrigatória, pode não passar pela escola.
Acabe-se com o discurso de duas caras: uma que diz aos jovens «Estudem, estudem muito, todos têm direito ao sucesso, todos têm que ter formação superior para enfrentar o mercado de trabalho!», e outra quediz aos recém licenciados «Então não queriam ser doutores? Agora amanhem-se! Já deviam saber que o mercado de trabalho não comporta mais doutores!».
Talvez assim consigamos, em vinte, em quarenta anos (nunca em dois ou três, como o milagre da matemática) criar uma nova geração que valorize a educação, que não pedeça de inveja endémica e mesquinha, que honre o nosso esforço de agora e dos próximos anos. A Ministra e os Secretários de Estado andam por aí, mas nós estamos aqui. Há 5, 10, 20, 30 e mais anos. Vamos continuar aqui.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Essa é que é essa...!

De Joao Cardoso a 11 de Novembro de 2008 às 13:23
Poucas coisas são tão irritantes como disparar plurais sem olhar para o alvo: o que é isso de “os professores”? Falamos de 140 / 150 mil humanos que têm a mesma profissão. Se quer generalizar começamos pela treta mor: os professores são avaliados desde a década de 90. A legislação nunca foi regulamentada para que se pudessem candidatar a “Muito Bom”, é verdade, mas a responsabilidade é dos responsáveis ministeriais. Os relatórios por vezes nem lidos eram, mas a culpa não é dos avaliados. Curiosamente os parâmetros da avaliação eram muito mais extensos e complexos do que os desta lei.
Sem consequências? Conheço casos de quem parou na carreira, por não feito as formaçõezinhas obrigatórias, leccionadas em eduquês. Não conheço casos em que alguém tenha obtido avaliação negativa pela sua incompetência. Pois não. Nem alguma vez o iria conhecer com esta lei de avaliação pelo simples facto de que ela se destina não a detectar os incompetentes mas sim a evitar a progressão na carreira, a mesma razão pela qual a regulamentação da anterior nunca foi feita...
As generalizações são tramadas. O Rogério na mesma caixa de comentários diz que é avaliado pelos seus alunos, na universidade. Eis um argumento de uma honestidade a toda a prova. Omite que essa avaliação em nada lhe mexe na carteira. Omite que nas universidades a reprovação de um professor, por exemplo em provas de agregação, é notícia de jornal. Mas devo-lhe dizer que por princípio até estou de acordo. Só os alunos podem efectivamente aferir da qualidade do trabalho dos seus professores, já que são os únicos que assistem às suas aulas, as verdadeiras, e não as preparadas para serem assistidas por terceiros.
Claro que descortino algumas dificuldades se esta lei contemplasse esse princípio, em particular no que toca aos educadores de infância. E acarretaria sempre o problema de os professores avaliarem os alunos o que se presta a alguns negócios e chantagens. Mas na prática como um professor vai ser avaliado também pelos resultados dos seus alunos, a perversão já lá está.
E esse é o segundo objectivo desta lei: acabar com o insucesso estatístico. Ou está a ver alguém que tendo definido nos seus “objectivos individuais” uma taxa de aprovação de 90% não a vá depois cumprir? Eu estou: o profissional honesto e competente. O que sai tramado.
Em matéria de paralelismos anedóticos, continuo à espera que os médicos sejam avaliados pelos doentes, os juízes por queixosos e acusados (presumíveis, deixa cá ver se tenho de condenar este ou se estrago as minhas estatísticas para este ano) e já agora os defensores oficiosos que sem lerem o processo se limitam a pedir justiça...
Mas claro: médicos, juízes, advogados, os professores universitários, esses sim: querem ser avaliados. Os outros professores é que não.
Retirado daqui e reproduzido com aplausos. E, por mim, acabo aqui a discussão. Os argumentos patéticos e patetas que tenho lido por esses blogues metem nojo. Tenho pena, porque este é o meu país e gosto dele, mas tenho vindo a convencer-me de que temos seguramente uma percentagem anormalmente vasta de invejosos mesquinhos e reles que só se sentiriam satisfeitos se vissem todos reduzidos à miserável condição em que eles mesmos se encontram, em vez de se disporem a lutar para melhorar a dita condição.
post scriptum - muito boa prosa aqui. A ler e a reler

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Cuidado...!

Lendo os blogues - leitura indispensável para quem quer estar informado, porque a imprensa, escrita e falada, está muito governamentalizada - apercebo-me de alguns colegas (poucos, felizmente) que andam laborando num erro: atacar os «sindicatos» e endeusar os «movimentos», ou endeusar os «sindicatos» e, para tal, lá está, atacar os «movimentos». Calculo que o ME ao ver isto esfregue as metafóricas mãos de contente. Chama-se dividir para reinar e é mais velho do que a cheia do Nilo ou a Sé de Braga. Não nos deixemos cair nesse buraco, por favor. Sindicatos e movimentos têm a sua utilidade e o seu nicho. E agora, neste momento específico, somos todos professores. É especialmente importante puxarmos todos para o mesmo lado, em vez de, enquanto somos atacados por tantos lados ainda, nos dedicarmos a atacar, por nossa vez, os nossos próprios colegas só porque divergimos ligeiramente de opinião...