Hoje, numa turma de 9º ano, estudávamos o conto «O Tesouro», de Eça de Queirós. Durante a leitura, ao chegar ao momento em que Rui, depois de ter convencido um dos irmãos a matar o outro, mata pelas costas o irmão sobrevivente (e assassino), para ficar com a totalidade do tesouro, um dos garotos exclamou, de forma bem audível: «Esperto!».
Confesso que fiquei chocada. Sim, eu bem sei que é uma história, mas não consigo deixar de achar chocante que um miúdo de 14 anos já tenha uma mentalidade tão retorcida que possa, de ânimo leve, considerar esperto um homem que, para ficar com a totalidade de um tesouro (em vez de apenas um terço do mesmo tesouro), leve um dos seus próprios irmão a matar o outro e, em seguida, mate o que ainda está vivo.
Mas pensei melhor... ainda ontem uma telenovela de grande audiência terminou. Nas cenas finais, a vilã, que ao longo dos duzentos episódios matou, mentiu, trapaceou, semeou a discórdia, mandou matar a própria irmã, matou o marido, eu sei lá!, nas cenas finais, dizia eu, a supracitada personagem, antes de, riquíssima com a herança do marido assassinado, embarcar num avião para ir seduzir o marido da irmã, manda assassinar a sua própria filha, que já fora presa em vez da mãe.
Longe de mim exigir que a televisão tenha funções educativas a tempo inteiro. Mas enquanto pais americanos querem que a Bíblia seja retirada das bibliotecas escolares porque Adão e Eva mantiveram relações sexuais sem serem casados (juro que já li esta, embora não me lembre onde) ou que os livros de Harry Potter sejam proibidos porque falam de feitiçaria, uma novela de grande audiência, que é vista pelos mais novos - os meus alunos, hoje, bem falavam dela - não deveria ter um bocadito mais de escrúpulos? Ou vale mesmo tudo para ficar rico? Matar os irmãos? O marido? Os filhos?
Ná...! Vai-se a ver e sou eu que sou bota de elástico!
2 comentários:
olá, colega!
Li o seu comentário ao texto do "escritor" Rodrigo Deus. Gostei de a ler e vim visitá-la :)
Quanto ao que descreve no seu post, não se desiluda muito. Afinal, apesar de tudo, o melhor da escola ainda são os alunos e é bom termos capacidade de os pôr a reflectir sobre essas coisas que vão dizendo...fruto de tanta coisa, não é?
O que nos tira a sanidade mental são as burocracias inúteis e desgastantes com que nos deparamos na escola de hoje...
Um beijinho
Pois, pode discutir-se o assunto e talvez na cabeça deles a vida ganhe mais valor.
E essas "bocas" dos alunos são, geralmente, apenas momentos de exibição de humor negro. O meu filho mais novo adora essas graças e é um bom e bem formado rapaz, incapaz de atropelar seja quem seja. Leu muito Calvin em pequeno!
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