Os portugueses têm, em relação aos professores, a mesma hipocrisia que os americanos têm em relação aos políticos.
Pergunte-se a qualquer português o que faria se tivesse uma pipa de massa e ele responde logo: «deixava de trabalhar». A «ética» do trabalho em Portugal consiste em considerar que o trabalho é um mal infelizmente necessário, que deve ser feito da forma mais automática e acéfala possível, e, se possível, explorando o mais que se possa quem nos paga. (Acrescento que deve ser do ar ou da água, porque, em saindo do país, os portugueses não são piores trabalhadores do que os outros povos e adquirem rapidamente a ética de trabalho vigente no país onde se encontram.) Mas todos guardam da escola a ideia de quando lá estiveram como alunos e não lhes passa pelas mentes que ser professor não é chegar à sala de aula e dizer umas larachas ou escrever uma coisas no quadro, nem que enquanto os meninos estão em casa os professores continuam na escola.
Não deve haver um ser humano que nunca tenha tido a sua calinada, a sua escorregadela freudiana, o seu pontapé na gramática, mormente em frente de um microfone. Mas os professores, apanhados no meio de uma manifestação, têm a obrigação de falar como misturas de Camões e Padre António Vieira condensadas numa só pessoa, ou então são uns alarves.
Os portugueses ganham mal. Com excepção dos gestores, sobretudo os de empresas públicas, dizem os jornais. Por isso, os portugueses são grandes praticantes de actividades paralelas. Mas os professores não podem (e quem conhece algum que arredonde o ordenado com umas aulitas extra num colégio ou com meia dúzia de explicações chama-lhe de bandido para cima) – talvez por isso atribuem-se-lhes imaginários ordenados chorudos. Tendo em conta que os professores são na sua maioria licenciados e mestrados, ganham mal. Mas nem é disso que se queixam, só que o português nem ouve.
Já lá vai o tempo em que os pais davam a educação e a escola a instrução. Agora, o português médio quer que a escola (leia-se os professores) lhes eduquem os filhos, lhos instruam, ou pelo menos que os passem todos os anos, que tomem conta deles, que os ensinem a comer com garfo e faca, a andar na rua, a consumir com inteligência, a não engravidar (se são raparigas) antes dos vinte anos, a estudar e a fazer os trabalhos de casa, a compreender as leis, etc, etc, etc – e botem etc nisso! - e ainda se escamam porque a escola não os guarda nas férias, nem nos fins-de-semana nem à noite. Os anjinhos dizem palavrões que fariam corar um carroceiro (tenho alunas de doze anos que usam f***-se como vírgula nas conversas), arrotam ou soltam gases intestinais nas aulas, vêem muitas vezes às aulas de mãos a abanar, sem um caderno, sem um livro, sem um lápis ao menos, falam em voz alta com o colega que está no outro canto da sala, atendem o telemóvel, copiam pelo caderno de um amigo o trabalho de casa de outra disciplina, nem sequer percebem se ralharmos com eles, porque não vêem o que estarão a fazer de mal, e se chumbarem no fim do ano a culpa é do professor, certo?
Há maus professores? Há. E maus canalizadores, e maus ladrilhadores, e maus advogados, e maus médicos, e maus políticos, e maus padres, e maus padeiros, e maus cozinheiros...
Se todos os professores fossem tão maus como o Ministério da Educação os tem pintado, já as escolas tinham caído há muito tempo, já havia mais meninos a bater nos pais e mais violência em geral.
Nenhum grupo de pessoas aceita ser assim caluniado e odiado por aqueles cujos filhos educa. É de mais!
É que os professores são gente e também se cansam,
consegue perceber?
Quanto à estafada história do cheque educação, vá ver os resultados que deu onde foi adoptado. E saiba que nunca o ensino privado aceitará voltar a ser tutelado e certificado pelo estado - o que fará com que o ensino privado que esta «nova» esquerda (cuja a novidade consite, ao que me tem sido dado ver, em parecer-se com a direita) tanto defende vá, no futuro, formar aqueles que hão-de engolir este regime. Posso já cá não estar para ver, mas não duvido de que acontecerá.
1 comentário:
Plenamente de acordo, colega!
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